Mauricio Ceschin é médico, especialista em gestão de saúde. Foi presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar, superintendente do Hospital Sírio-Libanês e presidente da Qualicorp. Nesta entrevista ele faz uma análise do momento atual do setor de saúde suplementar no Brasil e afirma acreditar que há compromissos e avanços. Destaca a importância da adoção de práticas condizentes com a mudança de perfil demográfico e epidemiológico da população, além de modelos de financiamento que garantam a permanência dos idosos no sistema de saúde. Quando se trata da contenção do aumento de custos e da inflação médica, Ceschin considera que o setor não tem produzido resultados satisfatórios e que as melhores práticas precisam se tornar referência. Para ele, as empresas também podem melhorar suas práticas de gestão da saúde dos colaboradores, pois hoje o processo do cuidado com a saúde começa sempre na empresa.
Com base na sua vivência e experiência no setor de saúde suplementar, gostaríamos que você compartilhasse conosco a sua análise sobre a situação atual do setor.
Mauricio Ceschin: O setor de saúde suplementar no Brasil tem o compromisso com os seus mais de 47 milhões de usuários de prover acesso oportuno à saúde, com qualidade e, desde sua regulamentação, há cerca de 20 anos, houve avanços. Quando há necessidade de atendimento ou tratamento de uma doença, via de regra, o usuário consegue o acesso. E nos casos de negativa de atendimento, quando a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é acionada, em cerca de 90% das vezes o problema é resolvido em curto prazo. Apesar disso, ainda há uma judicialização excessiva envolvendo a saúde suplementar.
O modelo assistencial predominante na saúde suplementar ainda é fragmentado e calcado em intervenções pontuais para enfermidades agudas e não no acompanhamento do usuário em linhas de cuidado integrado e continuado, mais indicado quando há prevalência crescente de doenças crônicas em uma população que envelhece e vive mais. É preciso também avançar em relação às ações de prevenção de doenças para os portadores de risco ou patologia e nas de promoção da saúde. Como já ocorre em outros países desenvolvidos e no próprio SUS, as operadoras de saúde têm procurado expandir o conceito de hierarquização do atendimento com a porta de entrada se fazendo por meio de estruturas de atenção primária integradas a linhas de cuidado e às demais especialidades.
Ainda não há uma política setorial ou nacional para uma identificação única ao longo de toda vida e para a organização das informações de saúde em prontuários eletrônicos de propriedade dos usuários.
Quanto ao modelo de financiamento, os idosos, quando precisam arcar com suas próprias mensalidades, com algumas exceções, ainda são expulsos do setor pelo aumento de preços e reajustes. Uma alternativa, segundo especialistas, é a que combina a capitalização com o mutualismo, que é o modelo utilizado atualmente com rateio do custo por faixa etária. No sistema de capitalização, uma parte do que o indivíduo paga ao plano de saúde durante sua vida ativa é poupado e utilizado após sua aposentadoria para custear seu plano.
Onde o setor não tem produzido resultados satisfatórios é na questão da contenção do aumento de custos e da inflação médica, que é repassada aos patrocinadores e usuários, via reajustes em patamares historicamente elevados.
Apontar o envelhecimento da população e o avanço tecnológico como fatores causadores da elevação de custo não basta. Ações já mencionadas poderiam ajudar muito, como a organização das informações de saúde, ações de prevenção e promoção de saúde, a hierarquização do atendimento com linhas de cuidado e diretrizes balizadoras do atendimento e procedimentos. Além dessas, a divulgação de avaliações comparativas de resultado dos vários agentes do setor, com indicadores atrelados ao desfecho clínico e o seu respectivo impacto de qualidade na saúde do paciente. Melhores práticas precisam se tornar referência e serem divulgadas para que se possa ter uma visão de custo-efetividade de quem atua no setor e não mais apenas com base na percepção de qualidade ou na reputação.
Uma boa nova é que novos modelos de remuneração têm sido crescentemente adotados por operadoras de saúde, hospitais e serviços médicos, quer via pagamentos globais ou por pacotes, bandas ou, mais recentemente, modelos atrelados ao desfecho clínico e resultado produzido para o paciente. O objetivo é diminuir a participação do modelo chamado fee for service que predomina atualmente, onde se paga por itens consumidos como materiais, exames, medicamentos e procedimentos. Neste caso, ser custo-efetivo é contraproducente, além de estimular o desperdício.
Por fim, se o setor pretende uma conscientização e responsabilização maior do usuário em relação à utilização correta dos recursos de saúde, tem que investir mais em educação e comunicação para mudança de hábitos e comportamentos alinhados com uma vida saudável. Ou seja, avançamos, mas ainda há muito a ser feito.
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